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                                                                                                    O Sítio

 Nas terras férteis da Califórnia, a água farta tornou-se a fonte determinante de toda a prosperidade e beleza dessa fazenda fundada pelo Sargento-Mor Miguel Francisco, melhorada pelo Dr. Arcelino que se dedicou a ela com o espírito de renovação que caracterizava aquela época.Depois de abandonar a toga, ele fixou-se com a família na fazenda, onde construiu a casa-grande em forma de “H”, com 85 portas, mais distante do “arruado” de casas, onde ficava a casa velha da fazenda construída pelo tio, e mais próxima do açude. Aí nasceram quase todos os seus filhos.
Aproveitando a mão de obra operária abundante e necessitada de socorro, decorrente da terrível seca de 1888 que assolou o nordeste, o Dr. Arcelino aumentou o açude, mudou o sangradouro e trocou o antigo sifão por um cano de ferro de seis polegadas de diâmetro colocado por baixo da parede principal. Assim o açude se tornou um imenso reservatório d’água, centro vital da fazenda, e podia irrigar o magnífico sítio que ficava logo abaixo da barragem, composto de um belo pomar, enorme coqueiral e imensos canaviais.
Da extensa massa líquida, límpida e profunda que formava o “prato do açude”, partiam braços d’água que se insinuavam entre os morros, ao longo dos riachos afluentes, tomando o lago, no seu contorno, aforma de uma gigantesca mão espalmada com os dedos abertos. O jato forte de água que jorrava através do tubo posto sob a barragem, caia abundante dentro de um enorme tanque de cimento, de onde partia um canal de irrigação que alimentava uma rede de levadas distribuindo essa água por toda a extensão da várzea. O tanque de registro, onde se graduava o volume de água solta, ficava abrigado dentro de uma casinha pitoresca, de forma que assim era possível manter o nível da água desejado. Tinha-se portanto, à vontade, ou o banho de ducha ou de imersão na água borbulhante, agitada em turbilhão pelo jato de alta pressão. Um banho nesse banheiro da Califórnia, especialmente no verão escaldante do sertão, era realmente um prazer inesquecível.
O peixe em abundância fornecia boa alimentação aos moradores da fazenda e também à vizinhança, durante todo o ano.

“Embora descendessem ambos de famílias sertanejas da Ribeira do Sitiá, nascera e criara-se Arcelino no sítio Bom-Jardim, nos tabuleiros de Cascavel, e Rachel era legítima serrana. Desse modo, volvendo definitivamente para o sertão, ele levou os coqueiros e as fruteiras das terras do alagadiço, e ela transportou as flores da serra, surgindo, na Califórnia, um magnífico pomar e um lindo jardim.”

                                                                                                                 Esperidião de Queiroz Lima  –  Reminiscência

Logo abaixo da parede do açude ficava o jardim, com uma bela coleção de roseiras, lindas flores e o pomar, com uma grande variedade de fruteiras tropicais, desde o açaí do Pará até a tamareira asiática. Havia ainda inúmeros pés de seriguelas  cajás, umbus,atas, graviolas, mangas, pitombas, azeitonas e de muitas outras frutas típicas do nosso nordeste.
Ao longo das margens das levadas se enfileiravam os coqueiros e, alem do pomar, a perder de vista se estendiam os canaviais.
Fora desse terreno irrigado, uma enorme plantação de cajueiros formava um verde bosque que no mês de outubro, com “as chuvas dos cajus”, se cobriam de belos frutos vermelhos e amarelos, perseguidos pelas inúmeras espécies de aves que em bandos ali se achegavam.
No verão, quando baixavam as águas do açude, iam-se descobrindo as terras marginais, úmidas e adubadas pelo lodo sedimentado, formando as ricas “vazantes”, onde se plantavam frutas e legumes de curto ciclo produzindo a fartura, extensiva a todos os moradores. Eram melões, melancias, jerimuns, milho e feijão verde em quantidade.
No inverno de chuvas regulares, a produção dos roçados era assombrosa. Junto com o milho era plantado o feijão de corda, colhido em vagens maduras pelas mulheres. Virado o milho maduro e colhidas depois as espigas secas, ficava no roçado uma enorme reserva de forragem constituída de palha de milho e rama de feijão. Esses cercados eram mantidos de porteiras fechadas e guardados para nos últimos meses de seca servirem de pasto aos animais.
Com a fartura do inverno apareciam ainda as frutinhas silvestres, para a alegria dos meninos sertanejos que se aventuravam nas várzeas em busca das melancias-da-praia, mangabas, juás e maris, que agradavam mais pela novidade que mesmo pelo paladar.


                                       A Fazenda

Nas várzeas do rio cobertas de juazeiros, e nas vastas caatingas atapetadas de "capim mimoso", pastava uma grande quantidade de gado dividida entre as fazendolas situadas no entorno da sede principal. Segundo contavam os nossos parentes mais velhos, eram dezoito fazendas ao todo.
O engenho de cana com grande produção de rapadura, açúcar e aguardente, e as fábricas de algodão e de farinha, deixavam resíduos alimentares bem aproveitados, especialmente o caroço do algodão, rico em proteína e gorduras, era distribuído como ração complementar entre os ruminantes.
Entre os produtos subsidiários da fazenda estava o sabão “Califórnia”, fabricado à base de sebo animal, para uso próprio e com boa aceitação no mercado interno.
A extensa criação de animais garantia à fazenda o fornecimento da grande quantidade de carne consumida pela família e agregados mantidos à custa da casa.
A cada semana era abatida uma rês gorda, que fornecia os “lombos” assados, a “panelada”, as linguiças e a carne de sol. Além disso, ainda matava-se três vezes por semana, uma “marrã” de ovelha ou um cabrito gordo, para o preparo dos pernis, das costelas assadas na grelha, dos guisados e do sarapatel.
Sem contar com a criação miúda de terreiro – galinhas, patos, perus, gansos e capotes – de consumo quase diário.
Carnes gordas, saborosas e diversas, linguiça, chouriço (doce) e toucinho. Aves e ovos, peixe, leite, coalhada, queijo e manteiga. Cuscuz, mucunzá, pamonha e canjica (de milho verde). Beiju, tapioca, coco e castanha de caju. Batata doce, macaxeira, jerimum, maxixe e quiabo. Ata, graviola, manga, figo, melão, melancia, banana, mamão e caju. A despensa cheia de farinha, feijão, arroz, milho, açúcar e rapadura, tudo isso produzido na própria fazenda, sem passar por matadouros, feiras ou mercados. Sem se falar em preço ou conta de armazém – tal era a farta alimentação, simples, sadia e variada, usual nas prósperas fazendas sertanejas, especialmente quando servidas de grande açude e boas terras molhadas de cultura.
Dr. Arcelino de Queiroz Lima foi o primeiro bacharel da Família QUEIROZ-BARREIRA. Interrompeu sua carreira de Juiz quando se tornou herdeiro único de seu tio rico, o velho Miguel Francisco de Queiroz Lima. Faleceu aos 58 anos na Califórnia, em 19/11/1895, deixando viúva D. Rachel, aos 43 anos, com seus dez filhos, sendo oito menores, inclusive a caçula, Arcelina, com apenas seis meses de idade.
D. Rachel "assumiu a administração de seus bens, fez seguirem para o Rio de Janeiro o filho maior João Baptista, que recomeçando os estudos matriculou-se na Faculdade de Medicina, e Esperidião*, que foi fazer os preparatórios, para o Colégio Abílio. Os outros filhos continuaram os estudos em Colégios locais, sendo mandados para o Rio à medida que iniciavam o curso secundário.”
Essa resolução foi criticada por parentes e amigos  "que lhe aconselharam a criar os filhos, trabalhando na fazenda, dando-lhes, para começarem a vida, o dinheiro que teriam de gastar nos estudos.” Ao que dona Rachel respondeu dizendo que: "as fazendas divididas em dez partes e sujeitas às vicissitude das secas, não garantiriam a prosperidade futura dos filhos, que corriam assim o risco de ficar pobres e ignorantes, como frequentemente acontecia.”


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